sábado, 3 de janeiro de 2015

Balanço 2014 – II Parte (Posse da Dilma)



Depois de destacar o papel da grande mídia na política e o seu contraponto as mídias sociais. Volto agora a uma análise marxista do processo político no Brasil, que teve claro seu ponto alto no processo eleitoral, contudo, deve-se perceber que a conjuntura econômica teve mais influência que as análises até aqui apresentadas, em primeiro lugar objetiva-se desfazer o discurso que a crise econômica que o Brasil atravessa nada tem haver com a atual cíclica global, parece que o discurso do PSDB de que a crise é apenas de gestão e tão somente de gestão soa de forma firme e revigorante nos meios de comunicação, e eles para comprovar isso constituíram um arauto, de uma moralidade incapaz de ecoar na sociedade, como foi o caso de Aécio Neves.

A essa questão devo retornar um pouco mais a frente, contudo, a crise global é mais uma cíclica do capital financeiro, que percorre o mundo em busca de lucro alto e qual modo seria mais fácil do que emprestar dinheiro a juros altos? A ciranda financeira move os lucros das grandes multinacionais e ainda giram as rodas de quem ganha e de quem perde, como se fosse um imenso carrossel, onde quem espera na fila apenas deixar de participar momentaneamente, mas na hora exata começa a ganhar novamente.

É mais fácil explicar montando um esquema matemático, mas as variáveis tornariam esse artigo pouco atraente, mas o que importa salientar é que nada mudou, algumas companhias ganham agora para outras ganharem depois e isso vem se revezando a muito tempo, com a crise sempre alguém ganha, e a medida que as economias nacionais estão em processo de estagnação os olhos se voltam para as economias que retém em seu acumulo primário reservas cambiais satisfatórias que justifiquem a pilhagem.

No mar revolto dos mercados as economias que mesmo diminuindo seu processo de crescimento ainda impulsionam as grandes companhias de investimentos ao passo que as economias em crises estão na fila de espera do carrossel onde os ganhos são menores, posso citar o fluxo de capital oriundos da Ásia como exemplo disso, se notarmos a movimentação desses capitais eles voltaram sua pilhagem para a Europa, África e America, diversificando sua cesta de investimentos, segundo dados do Financial Time (2014).

Em suma, a crise econômica global é um jogo perfeitamente sincronizado e com uma fila de espera para as companhias participarem, as economias nacionais agora são apenas iscas para os grandes predadores, o que resta a fazer é construir mecanismos sociais de proteção ao envio de remessa de lucros, limitar a circulação de capitais voláteis e diminuir estrategicamente a taxa de juros nos países, em contrapartida o controle inflacionário deve ser uma meta alcançável, sem, contudo, estrangular a capacidade de compras dos salários, essa equação é notoriamente difícil de ser estabelecida.

Essa fórmula o governo brasileiro de certa forma tem alcançado, os mecanismos de controle do processo de fluxo de capitais tem se tornando uma verdadeira tormenta do Banco Central Brasileiro, e as atuais indicações para a equipe econômica é um sinal claro que o Brasil vai manter essa eterna vigilância do sistema Monetário nacional, não acredito que o governo Dilma possa enfrentar esses fundos, a conciliação é o caminho escolhido pelo governo do PT.

Desmistificado a acusação que é de gestão a etapa cíclica do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, que tende a ser tardio e pedante, chegando mesmo a ser chato. O processo de investimento em infra-estrutura e logística para suporte a produção de bens, para a agricultura, para a pecuária, enfim, para os setores produtivos da economia ainda são insuficientes, ressalta-se que o essa forma precária de capitalismo tem um berço antigo, e que os últimos 12 anos ainda não foi e não é capaz de superar o descaso com o fortalecimento e a diversificação da economia brasileira, mesmo o governo do PT tendo criado o PAC e o PAC 2.

Não quero aqui defender as políticas econômicas adotadas desde o plano real, ou mesmo bajular a transferência de renda como política compensatória do PT, mas compreender que o movimento da economia global e suas particularidades no Brasil representam tão somente a decisão política de se estabelecer o papel do país no cenário mundial.

Contudo, com a crise mundial, e em especial as crises no EUA, Europa e Japão forçaram a America Latina ter um significativo aumento nas transferências de commodities para as grandes corporações, ao passo que na política os governos de centro-esquerda aumentaram significativamente sua influência, consolidando em alguns países sua hegemonia como é o caso do Brasil, do Uruguai e da Bolívia, que fizeram acordo com as corporações.

A China e a Rússia aparecem nesse cenário com papéis distintos e complementares, ao passo que a China tornou-se a maior economia do planeta, a Rússia assumiu o papel de ser o braço armado da luta contra o império americano, obviamente que isso ainda se restringe aos espólios da guerra fria, contudo esse processo apenas repete a construção já batida da própria guerra fria.

Do mesmo modo a luta anti-terror dos EUA começou a vazar água pelas suas políticas de contenção aos grupos terroristas, parecem que eles simplesmente esqueceram das lições dos anos 70 e 80 do século passado, onde financiaram os grupos terroristas que ajudaram a derrubar na segunda metade da década de 90 do mesmo século, que ainda deixou profundas marcas nas sociedades do Oriente Médio, como o conflito social no Egito. A questão da Palestina ainda motivada por questões seculares mascara o controle do escoamento da produção petrolífera da região para a Europa e para a Costa Atlântica dos EUA.

Deve-se discutir outro elemento que gerará na região mais tensão, a questão da água, se por um lado não se tem objetivamente nenhuma guerra por causa da água, por outro não se pode negar que ela está se tornando cada vez mais escassa em algumas partes do globo, e com isso seu preço de mercado já vem sendo objeto de estudo de várias corporações, esse tema é parte de um estudo em separado que a medida que obtivermos resultados publicaremos, mas posso adiantar que trata-se de um levantamento históricos dos conflitos (há conflitos e não guerras entre nações) envolvendo a água, bem como o seu valor de mercado. 

Os grupos chamados de terroristas pelos EUA nada mais são que grupos de resistência a usurpação de sua cultura e riqueza, mas cabe salientar que não podemos compactuar com o terror de forma isolada, somente a organização popular, na construção de levantes que indiquem claramente um rumo socialista é que poderá superar o caráter reacionário desses grupelhos.

O mundo já no final de 2014 observou com certo alarde a comunidade de Cuba e dos EUA em reativar suas relações diplomáticas, após 53 anos de bloqueio econômico da ex-maior potencia mundial contra uma pequena ilha caribenha, percebemos a força da resistência coletiva, contra todo o tipo de sabotagem, terror e guerra. Mas Cuba deve manter-se vigilante nas conquistas da revolução e indicar um caminho para as jovens democracias da America Latina, que somente o Socialismo é a alternativa para acabar com a subserviência aos EUA.

E o Brasil tem papel de liderança nesse novo cenário! Claro, mas caberá ao PT superar as limitações que estão sendo imposta para ele, dentre ela, estabelecer novos parâmetros éticos e morais que permita superar as falhas atuais, a relação promiscua que o PT está tendo com a coisa pública, essa relação não pode ser feita apenas com uma simples declaração, as atuais medidas tomadas pelo seu último congresso apenas faz uma reflexão, um primeiro passo, mas ainda insuficiente.

Obviamente que as relações entre o trato do Estado com os seus serviços e os serviços prestados ao cidadão ainda estão em processo de construção, o que temos é um gigante, um país monumental e que tem um estado em completa falência, são mais de 500 anos de descaso, de abandono e de luxuria com os recursos públicos.

Se por um lado, a constituição de um estado real, atuante e presente começam pela ampliação dos serviços a população. Por outro, a conquista política do PT e de seus aliados, em um governo de coalizão de centro-direita, é representativo, pois inicialmente os marxistas classificavam esse governo com um governo de frente popular, uma generosidade descabida, o governo do PT não é um governo de frente popular, mas sim um governo burguês com compensações, uma administração que não rompe com os processos históricos anteriores de gestão e nem tampouco se propõe a quebrar paradigmas, tão somente a se construir como um estado nacional.

Se após a ditadura militar o Governo Sarney teve a preocupação em realizar uma transição pacífica e gradual entre a ditadura e a democracia, os governos posteriores seguiram a receita do FMI, que foi elaborada para pilhar o leste europeu e a URSS, após a derrocada do muro de Berlim, e que foi transportada sem adaptações para a America Latina e África, esse erro histórico permitiu a esquerda ocupar espaços que antes eram destinados ao lambe botas americanos.

Essa dinâmica fez com que o PT assumisse o papel de gerenciador do capitalismo no país, e os principais teóricos petistas perceberam que era necessário que o estado fosse de fato nacional, fator progressivo, mas teve um preço, e uma geração de combatentes e guerrilheiros de esquerda ainda foram perseguidos e presos, mas manteve o ritmo de construção de um Estado Nacional, etapa que os EUA e a Europa realizaram 200 anos atrás.

No campo político o ano de 2014 girou em torno das eleições, passado as tormentas do julho de revoltas e protestos, o que se viu foi uma rearticulação de grupos de extrema direita, nazi-fascistas e fundamentalista, chegando ao absurdo das declarações do Bolsonaro na Câmara dos Deputados, esse elemento somando a posição das grandes mídias foram os determinantes e deram o tom na campanha.

Não se pode deixar de considerar relevante a morte acidental (?) de Eduardo Campos e a sua substituição por Marina Silva teve repercussão imediata nas pesquisas eleitorais, chegando mesmo a um empate técnico com a Presidenta Dilma, superando-a em algumas estimativas no segundo turno, mas a base de apoio que ela constitui não foi suficiente para capitalizar o ódio ao PT e a esquerda como um todo, afinal ela veio desse nicho, e por mais que se possa acreditar que ela tenha realmente vendido a alma ao diabo (leia-se Itaú), o preconceito de ser mulher, negra e do norte foram suficientes para tira-lá da disputa.

Contudo, esse efeito Marina reflete alguns setores políticos que não estão satisfeitos com o PT e nem tampouco com o PSDB, mas acima de tudo representa uma coalizão de centro que possa possibilitar um aumento dos lucros dos banqueiros que tem um discurso de “responsabilidade social”, e das empresas que trazem esse conceito para o debate, além é claro da própria Rede Cidadania, um conceito que não é novo, mas pode ser inovador, mas que fica no limite do capital, ou seja, não o combate apenas quer o humanizar, como se isso fosse possível, mas esses setores tendem a se fortalecer, mesmo que Marina Silva não seja o nome futuro.

O primeiro turno foi caracterizado pelo debate morno e sem sal, pois aparentemente todos os candidatos tinham as mesmas propostas, como nomenclaturas diferentes, os próprios debates na televisão foram mais palco para os nanicos do que necessariamente dos principais candidatos, o formato dos debates e a própria legislação eleitoral transformaram esses candidatos em caricaturas, em personagens folclóricos e que em nada contribuíram para o debate. Não por falta de idéias ou conteúdos, apenas o formato da distribuição do tempo de TV é uma enorme palhaçada.

Com relação a polarização entre o PT e o PSDB no processo eleitoral é apenas mais um capítulo, devo lembrar que em antigos artigos, eu já descrevia que o PT passaria pelo menos 20 anos no poder político do Estado, já garantiu 16! Mas naquela época eu avaliava que Zé Dirceu permaneceria vivo e articulando, uma zombaria que a direita não tolerou, mas enfim, a eleição foi claramente um processo que separou, no segundo turno, o que é progressivo e o que é retrógado no processo de construção de um Estado Nacional.

A vitória de Dilma, depois de um gosto de derrota no primeiro turno, representa muito mais que um bem elaborado plano de marketing, ou mesmo de uma avaliação positiva de seu governo, mas representa, antes de tudo, a luta política contra setores reacionários na sociedade brasileira, parte da esquerda não compreendeu essa etapa da luta de classes, mas alguns setores sim, e isso ocorre pela primeira vez na história da esquerda, um movimento de pequenos setores ortodoxos marxistas fizeram campanha de forma crítica, mas esse pequeno movimento das asas da borboleta serão sentidos mais a frente, quero sempre aposta nisso.

De outro modo a campanha não dividiu o país como foi alardeado, o resultado eleitoral não se constitui, de forma imediata e irreversível, em novas fronteiras, mas indicam um caminho da disputa futura, mas se teve algo positivo no processo foi a constatação que o povo brasileiro se vê como um país unido, que têm várias línguas e culturas, mas unido em ser brasileiro.

Nem em seus piores pesadelos a direita imaginava que o Brasil seria goleado por 7 a 1 pela Alemanha na copa do mundo, muito menos, que suas vais seriam contestadas, e sua soberba e dinheiro fossem derrotados, pelo mesmo capital que eles investiram, a relação entre derrota da copa e do PSDB é bem mais nítida agora, a Copa do Mundo não foi um evento para capitalizar votos para a Presidente Dilma, mas poderia capitalizar votos para Aécio, essa relação é percebida a medida que a campanha foi avançando, com os temas e cores da campanha de Aécio, até mesmo a imagem de Neymar foi utilizada na reta final de campanha, se o Brasil tivesse ganhado a copa, a campanha faria com que os jogadores campeões desfilassem cotidianamente no horário do PSDB.

Não se pode alegar que a vitória de Dilma tenha sido provocada por erros da coordenação da campanha de Aécio, o neto pródigo de Tancredo, mas foi um conjunto de fatores que inclui a caracterização de Aécio como um “playboy” cheirador de pó, a própria postura arrogante e desrespeitador com a figura de uma mulher e de uma presidente no debate deve ser melhor analisado na configuração do resultado, mas cabe destacar que ele até podia cheirar o pó que quisesse, como o fez certamente, a capacidade de qualquer um não pode e nem deve ser metido pela suas transgressões, e claro o discurso até certo momento do PT em atacar esse lado foi desnecessário e reacionário por parte dos dirigentes do PT, contribuindo assim para aumentar o preconceito com relação aos usuários de drogas, que não é no Brasil um caso de polícia e sim de saúde pública.

Deve-se destacar o papel de Lula na campanha, certamente foi um desafio pessoal e por que não dizer político, o fato dele estar na campanha como se realmente fosse o candidato é muito representativa e tem um significado, que mais tarde voltaremos ao assunto, em outro artigo. Contudo, a própria postura da Dilma, frente as críticas ao seu governo, aos ataques sistemáticos da mídia, os escândalos da Petrobrás, as críticas a Copa do Mundo, enfim, um cenário de terra arrasada, permitiu que ela mantivesse uma serenidade e um clareza em suas idéias que não tínhamos presenciado na eleição anterior.

Essa maturidade não é somente produto de quatro anos de mandato, mas sim de sua compreensão política do processo histórica que ela participava, e a divulgação do Relatório Final da Comissão da Verdade comprovou essa afirmativa, foi o momento que ela se deixou levar pela emoção, mas que também era um gesto de desabafo de toda agressão que sofreu durante o ano inteiro, da forma desrespeitosa e preconceituosa que teve que engolir mais de uma vez, diga-se de passagem.

O resultado eleitoral só confirmou a tendência da America Latina a esquerda, mas acima de tudo, foi a vitória contra o preconceito, contra o nazi-fascismo, e que representa ainda a continuação da construção do estado nacional, mas ainda caracteriza o PT como partido de centro, sua posição a esquerda se perdeu, sua própria base de formação social modifica-se e os acordos assumidos levaram inevitavelmente a um período de desgaste maior.

O próximo governo de coalizão deverá ser marcado ainda por escândalos de crimes cometidos nos últimos dez anos, sejam eles por omissão ou mesmo por participação direta, mas isso será conseqüência de dois elementos que se combina, o primeiro é a decisão do PT de não passar mais a mão na cabeça de ninguém, o que culmina com o fortalecimento dos mecanismos estatais de controle e da própria polícia federal. 

O segundo é o papel da imprensa burguesa e das mídias sociais que deverão ficar atentas para os percalços de certos setores do governo de coalizão, não querendo fazer previsões, mas acredito que no médio prazo, as mídias sociais serão os principais elementos de denúncias de esquemas de desvios de verbas, a dita lei da transparência deve contribuir para uma mudança cultural, e o próprio PT deve ser o agente desse processo de assimilação do estado nacional, certamente virará uma febre nacional o de denúncias via as redes sociais.

Enfim, 2015 será um ano de muita disputa política, muito embora seja um ano sem eleição, caberá a esquerda do país construir críticas que permitam a superação do modelo de desenvolvimento econômico sem a responsabilidade social necessária, do mesmo modo, é necessário construir alternativas de organização que permitam o debate e o envolvimento dos setores organizados dos trabalhadores, para a necessária elaboração coletiva, somente isso poderá dar ao conjunto dos setores de luta social motivações que permitam ter novos elementos conceituais para superar as crises cíclicas do capitalismo.

Isso seria apenas um sonho ainda distante, mas é esse nosso propósito, construir sonhos, e quem em 2015 tenhamos muitas lutas e que nossas lutas possam trazer vitorias para os trabalhadores, que 2015 seja um ano de luta e vitórias.


Marcelo Bastos

0 comentários: